SER GRANDE NÃO SIGNIFICA GARANTIA DE SUCESSO

Embora a maioria das empresas admita possuir estratégia, na prática estão apenas tentando aprimorar métodos de trabalho mais eficientes. Essa distorção tem a ver com modelos que dizem que a estratégia não é tão  importante, bastando, para se ter vantagem competitiva, fabricar um produtode qualidade superior ao da concorrência a um custo mais baixo e, depois, melhorá-lo continuamente. Ou que é preciso mudanças cada vez mais rápidas e eficientes. Ou, ainda, que é preciso um produto específico para cada cliente.
Na prática, essas situações acontecem, mas são opções que levam apenas à eficiência operacional. A estratégia está ligada à escolha e ao equilíbrio das opções conflitantes dela decorrentes, com o que é bom para todos. É isso que todas as empresas deveriam estar fazendo. No entanto, menos da metade delas possui plano estratégico. A afirmação foi feita pelo norte-americano Michael Porter, considerado a maior autoridade mundial em estratégia competitiva, na ExpoManagement 2003 realizado em São Paulo no começo de novembro [2003] e considerado o maior encontro de administradores do mundo.

 

Segundo Porter, que também é professor da Harvard Business School, uma boa estratégia começa com a escolha do objetivo certo, ou seja, a busca pela lucratividade. Segundo ele, existe uma teoria de que quanto maior as organizações mais rentáveis elas serão, o que, na sua opinião, nem sempre representa quesito que garanta o sucesso. “Pode dar certo por curtos períodos, mas somente a estratégia pode produzir vantagens duradouras, já que ela parte de uma proposição de valor diferente, delineando um espaço em que a empresa procura ser única”, disse, ao alertar que a busca incessante pela eficiência operacional tende a criar um modelo de competição destrutiva.

Porter entende ser um erro pensar que a concorrência existe apenas para fazer com que as empresas sejam melhores que outras. “Muitas acreditam que o sucesso chega quando o outro lado fracassa, como se fosse uma guerra em que para vencer é preciso destruir o inimigo. Isso contribui para reduzir a rentabilidade e o desempenho. Na prática, deve-se enfrentar a concorrência para ser a melhor, para ser uma empresa singular oferecendo algo que as outras não oferecem”, enfatizou.

Em outras palavras, as boas idéias dos concorrentes devem ser assimiladas, não copiadas. A comparação com os rivais para obter mais eficiência e evolução contínua tende a fazer produtos e serviços cada vez mais parecidos, levando a concorrência a se deslocar para o preço. Um jogo que, segundo Porter, pode fazer com que todos percam, já que não contribui para o crescimento do mercado nem para o campo das necessidades dos consumidores.

Como ter uma boa estratégia

Na visão de Michael Porter, a maioria das empresas fundamenta-se em boas práticas operacionais, não em estratégias. Ele entende que para se ter uma boa estratégia é preciso:

Propostas de valor dos clientes – Consiste em saber o que o cliente quer, que tipo de necessidade possui e quanto está disposto a pagar
Uma cadeia de valor diferenciada do concorrente – Se o produto for idêntico e a entrega semelhante, em vez de estratégia tem-se uma concorrência em eficácia operacional
Trocas estratégicas – Deve-se escolher entre os produtos aquele que seja difícil de ser copiado. A escolha por um determinado produto fará a concorrência atacar o outro. Isso dá a oportunidade para que a empresa seja específica e única naquilo que faz
Reforçar simultaneamente parte da cadeia de valores – A variação é importante para sustentar as vantagens estratégicas. Um bom exemplo é a rede de roupas espanhola Zara, que tira de circulação roupas que “não emplacam” na primeira semana de vendas. A Zara tem confecção própria (produção rápida) e controla a logística (distribuição eficiente). “As peças da estratégia se encaixam, ampliando a capacidade competitiva. Quem quiser copiá-la terá de abrir uma outra empresa”, advertiu.
Continuidade – A estratrégia deve ser praticada durante vários anos e a proposta de valor deve ser mantida. Oferecer um bom produto em um ano e outro de qualidade inferior, mas com preço baixo, em outro ano, confundirá o consumidor. Pode-se ter continuidade estratégica e melhoria contínua ao mesmo tempo, desde que a proposta de valor seja reforçada. A estratégia não é rígida, a ponto de não admitir mudanças.

Líder da empresa deve ser o principal estrategista

De acordo com Michael Porter, a maioria dos administradores baseia-se na própria experiência para encontrar a estratégia certa. Experimentam, analisam se deu certo, depois tentam uma ação diferente, numa espécie de jogo de erros e acertos. “É um método que dificilmente funciona”, explicou, ao dizer que a essência está em fazer “um monte de coisas” que se encaixem e não partir para ações isoladas esperando que elas sejam adequadas ao modelo proposto.

Para ele, o principal estrategista de uma organização tem de ser o seu líder, o presidente. “Se lermos toda a literatura sobre Administração veremos que o sucesso de uma companhia tem a ver com os produtos que fabrica. Isso é verdade, mas para ser bem-sucedida ela precisa de um líder forte, disposto a fazer escolhas e enfrentar os conflitos delas decorrente. Existe uma forte relação entre estratégias muito boas e líderes efetivamente fortes”, destacou.

O líder deve saber ouvir e administrar as sugestões do mercado e as dos funcionários que chegam na organização todos os dias. O volume de informações costuma ser grande, mas 99% delas não condizem com a estratégia da empresa.

Visão errada

Ele deve, também, certificar-se de que todos estejam entendendo a estratégia. “Antigamente, tinha-se a visão errada de que bastava difundi-la para o pessoal do primeiro escalão. Felizmente, descobriu-se que era uma prática contrária aos propósitos de informar cada uma das muitas coisas que são feitas em uma organização diariamente e de saber se elas estavam sendo canalizadas para a mesma direção”, lembrou.

Para Porter, os funcionários de uma empresa precisam compreender de que modo ela difere das demais. “Se eles não sabem como a empresa em que trabalham cria valor em relação à concorrência, dificilmente poderão fazer no dia-a-dia as escolhas a que são obrigados. A estratégia é importante para os vendedores para que saibam quais os clientes que devem ser visitados; os engenheiros precisam entendê-la para saber o que projetar”, esclareceu.

Impossível agradar a todos

Empresas que atendem todos os pedidos dos clientes, principalmente os que interferem na programação normal, como forma de “agradá-los”, não possuem estratégia. Para Porter, como o estabelecimento de uma estratégia pressupõe a escolha do que pode ou não ser feito, certamente alguns clientes poderão ficar insatisfeitos. “Sabemos que o cliente é fundamental, mas fica fácil demais fazer tudo o que ele quer. O estrategista deve saber o que oferecer e ignorar o resto”, salientou.

Para Porter, os “clusters” são a salvação brasileira

Apesar de reconhecer que nos últimos dez anos a qualidade de vida no Brasil melhorou em função de avanços tecnológicos, como na área de telecomunicações, por exemplo, Porter criticou os níveis de desigualdade social do País que, segundo ele, interferem diretamente no campo da inovação e no da produtividade. “A inovação brasileira está no ponto zero, com baixo número de patentes, ao passo que em países como Cingapura e Taiwan ela é cada vez mais crescente”, enfatizou, ao dizer que quando o assunto é geração de tecnologia avançada o Brasil perde até para alguns vizinhos da América Latina.

Segundo Porter, uma forma de tornar o País mais produtivo é utilizar o que chama de clusters, conceito criado para definir concentrações geográficas de empresas de um determinado setor de atividade e organizações correlatas, de fornecedores de insumos a instituições de ensino e clientes. “Infelizmente, trata-se de uma idéia que não foi bem aceita no Brasil. Uma companhia com uma estratégia pode ser boa, mas poderia ser excelente se estivesse inserida em algum cluster”, enfatizou.
As empresas participantes de um cluster disputam o mesmo mercado, mas cooperam entre si em aspectos que trazem ganhos mútuos, como, por exemplo, consórcios de exportação e participação em feiras. Com isso, aumentam a produtividade das empresas da região, indicando a direção e o ritmo da inovação, que sustentam o futuro crescimento da produtividade, estimulando a formação de novas empresas. Ou seja, expande e reforça o próprio cluster.

Pontos fracos

A falta de tradição em agrupar empresas para uma mesma finalidade, de acordo com Porter, fez o Brasil perder a Intel (maior fabricante de processadores para computadores do mundo) para a Costa Rica. Segundo ele, pesou, também, o fato de aquele país ter um sistema educacional e instituições de pesquisas melhores do que as encontradas no Brasil. “O Brasil tem um grande mercado, mas não despertou o interesse da Intel, que queria um lugar produtivo. E isso tem a ver com clusters, ou, em outras palavras, com empresas iguais, mas que não funcionem como concorrentes”, exemplificou.

Para Porter, pontos fracos como esses servem de barreira para o desenvolvimento do País, já que freiam os “milagres econômicos”. Além disso, entende que a falta de escolas de classe mundial (cursos de MBAs), a burocracia, a exclusão social, os problemas da Seguridade Social e as deficiências nos sistemas tributário e fiscal, trazem sérios problemas para a área de negócios. “O que mais me preocupa é não ver uma estratégia para tornar a economia do País produtiva e progressista. As exportações brasileiras para a América Latina, por exemplo, vêm encolhendo, o que é surpreendente já que se pressupõe que eles necessitam de produtos semelhantes. Isso tem a ver com a história do Brasil, que nunca se viu como líder da região”, afirmou.

Para ele, se o governo não sabe como fazer as coisas, cabe aos administradores brasileiros dizer o que é preciso ser feito. “Mas se por um lado a criatividade desses profissionais deve ser enaltecida, por outro merece críticas pelo fato de eles não pensarem em clusters como deveriam. Eles adotam uma posição passiva em relação ao desenvolvimento do País”, finalizou.